Acabei de assistir a Tony Manero (de Pablo Larraín), excelente filme de co-produção Brasil-chilena. Tolo que sou, pensava que assistiria a um filme sobre um fã de John Travolta. Na verdade o filme é sobre um personagem obcecado, psicopata, indiferente às pessoas e aos que o cercam, que vive em meio à ditadura militar chilena e com ela se confunde, sem tomar parte no processo.
Mas o que tem haver uma coisa com outra?
O personagem Raúl (Alfredo Castro) representa o próprio Chile naquele momento bestial. Buscando o modelo econômico americano, dentro de uma realidade política ditatorial, acaba se tornando uma cópia patética (tanto no sentido grego, quanto no disneylândico-rsrsrs) do original, no caso de Raúl, de Tony Manero. Sua obsessão não leva em conta nada, nem ninguém, por isso mata e caga para os outros (caga literalmente, é preciso assistir pra entender). Autoritário, toma suas decisões sem levar em conta o grupo, que o segue inquestionavelmente, o que nos parece inacreditável. Sua incapacidade de fazer sexo é simbólica. Em mais uma crítica ao regime, perde o concurso em uma decisão arbitrária do apresentador, onde Raúl não tem o menor poder de participar ou mudar o resultado. A cena final é maravilhosa, digna de Hitchcock.
Alfredo, um ator e tanto.
Alfredo Castro constrói um personagem espetacular, de olhar distante, cada vez mais alucinado, sem nunca se tornar over. Fala pouco, mas suas expressões levam o espectador a tirar conclusões e construir o personagem junto, com cumplicidade. Criou uma linguagem corporal, a barba mal feita, e principalmente, trabalha seu olhar como se fosse uma técnica de ponto de interesse, ou seja pra onde está seu foco de visão, nos direciona para a construção dramática do filme. Seu trabalho de respiração merece atenção, sua decupagem de texto idem. Nuca responde de pronto, mas na respiração correta, com sua codificação de olhar, ação física e principalmente, com entendimento especial do texto sempre curto. (atores vamos começar a ler!)
Fotografia (Sergio Armstrong).
Escreve sua história junto ao filme, trabalha com pouca saturação de cor (ao contrário de Embalos...) pouca luminância, sempre mantendo Raúl na penumbra. Fotografado em super 16, optaram por pouca luz, câmera na mão, e principalmente o uso do desfoque como instrumento de ação dramática. Planos de preferência fechados, em closes de rosto, dando ao espectador o prazer de acompanhar o melhor do filme, a atuação de Alfredo. Contrapõe-se assim a Spielberg, quando este afirma que uma palavra vale milhões em efeitos especiais e afirma: uma expressão vale milhares de palavras e bilhões em efeitos fx.
Edição (Andrea Chignoli )
Perfeita, descontinuada, dentro de uma mesma cena, corta abruptamente deformando o tempo e mudando a localização espacial dos atores. Brinca com o público, na cena do concurso em certo momento apresenta o take de Raúl parado, olhar vago, como se aquela dança não estivesse acontecendo, e nos deixa nessa dúvida até o fim da cena.
Sonorização (Miguel Hormazábal )
Bela sonorização descritiva, mas a sonorização crítica é que vale referência. Chamo a atenção para a cena em que a polícia mata um militante, e o som do tiro se harmoniza com o do trem (a cena é oculta), e a cena em que Raúl tenta fazer sexo com Paulli (Paola Lattus), acabam se masturbando, a sonoplastia é vigorosa. Outra cena, quando Raúl declama as falas em inglês do filme, e ao fundo há o som de pessoas comendo.
Filme.
Baixo orçamento, mas ótimo, obscuro, ousado, surpreendente. Representa bem a sociedade chilena, com os seus jovens militantes em conflito contra a classe média baixa apoiando o regime. Usa as cenas de sexo sem apelativos, e muito bem, dentro do contexto dramático. Consegue mostrar um boquete e um personagem cagando sem ser esdrúxulo. Há uma cena em que Raúl toma banho e um menino deixa cair o leite, simbólico, já que o leite para os trabalhadores, era uma bandeira de Allende.
A direção.
Impecável, nas cenas de homicídio e violência, mantém a mesma seriedade e envolvimento dramático das cenas de sexo e de escatologia. Bela direção de atores, belas marcações de cena e de câmera, sem se deixar levar pela virtuose, mas a serviço da dramaticidade.
Quando perguntam pra Raúl sua profissão, ele responde sempre: Isso. Mas isso o que? Talvez seja pergunta que se faz ao próprio chileno da época. Tem que ver pra responder.
@cajuínas
Mas o que tem haver uma coisa com outra?
O personagem Raúl (Alfredo Castro) representa o próprio Chile naquele momento bestial. Buscando o modelo econômico americano, dentro de uma realidade política ditatorial, acaba se tornando uma cópia patética (tanto no sentido grego, quanto no disneylândico-rsrsrs) do original, no caso de Raúl, de Tony Manero. Sua obsessão não leva em conta nada, nem ninguém, por isso mata e caga para os outros (caga literalmente, é preciso assistir pra entender). Autoritário, toma suas decisões sem levar em conta o grupo, que o segue inquestionavelmente, o que nos parece inacreditável. Sua incapacidade de fazer sexo é simbólica. Em mais uma crítica ao regime, perde o concurso em uma decisão arbitrária do apresentador, onde Raúl não tem o menor poder de participar ou mudar o resultado. A cena final é maravilhosa, digna de Hitchcock.
Alfredo, um ator e tanto.
Alfredo Castro constrói um personagem espetacular, de olhar distante, cada vez mais alucinado, sem nunca se tornar over. Fala pouco, mas suas expressões levam o espectador a tirar conclusões e construir o personagem junto, com cumplicidade. Criou uma linguagem corporal, a barba mal feita, e principalmente, trabalha seu olhar como se fosse uma técnica de ponto de interesse, ou seja pra onde está seu foco de visão, nos direciona para a construção dramática do filme. Seu trabalho de respiração merece atenção, sua decupagem de texto idem. Nuca responde de pronto, mas na respiração correta, com sua codificação de olhar, ação física e principalmente, com entendimento especial do texto sempre curto. (atores vamos começar a ler!)
Fotografia (Sergio Armstrong).
Escreve sua história junto ao filme, trabalha com pouca saturação de cor (ao contrário de Embalos...) pouca luminância, sempre mantendo Raúl na penumbra. Fotografado em super 16, optaram por pouca luz, câmera na mão, e principalmente o uso do desfoque como instrumento de ação dramática. Planos de preferência fechados, em closes de rosto, dando ao espectador o prazer de acompanhar o melhor do filme, a atuação de Alfredo. Contrapõe-se assim a Spielberg, quando este afirma que uma palavra vale milhões em efeitos especiais e afirma: uma expressão vale milhares de palavras e bilhões em efeitos fx.
Edição (Andrea Chignoli )
Perfeita, descontinuada, dentro de uma mesma cena, corta abruptamente deformando o tempo e mudando a localização espacial dos atores. Brinca com o público, na cena do concurso em certo momento apresenta o take de Raúl parado, olhar vago, como se aquela dança não estivesse acontecendo, e nos deixa nessa dúvida até o fim da cena.
Sonorização (Miguel Hormazábal )
Bela sonorização descritiva, mas a sonorização crítica é que vale referência. Chamo a atenção para a cena em que a polícia mata um militante, e o som do tiro se harmoniza com o do trem (a cena é oculta), e a cena em que Raúl tenta fazer sexo com Paulli (Paola Lattus), acabam se masturbando, a sonoplastia é vigorosa. Outra cena, quando Raúl declama as falas em inglês do filme, e ao fundo há o som de pessoas comendo.
Filme.
Baixo orçamento, mas ótimo, obscuro, ousado, surpreendente. Representa bem a sociedade chilena, com os seus jovens militantes em conflito contra a classe média baixa apoiando o regime. Usa as cenas de sexo sem apelativos, e muito bem, dentro do contexto dramático. Consegue mostrar um boquete e um personagem cagando sem ser esdrúxulo. Há uma cena em que Raúl toma banho e um menino deixa cair o leite, simbólico, já que o leite para os trabalhadores, era uma bandeira de Allende.
A direção.
Impecável, nas cenas de homicídio e violência, mantém a mesma seriedade e envolvimento dramático das cenas de sexo e de escatologia. Bela direção de atores, belas marcações de cena e de câmera, sem se deixar levar pela virtuose, mas a serviço da dramaticidade.
Quando perguntam pra Raúl sua profissão, ele responde sempre: Isso. Mas isso o que? Talvez seja pergunta que se faz ao próprio chileno da época. Tem que ver pra responder.
@cajuínas
Fala, Paulo Siqueira!
ResponderExcluirDenso, harmônico, vigoroso, reflexivo, passional texto teu. Flui que flui. Captura. Catapulta. Envolve. Instiga. Cajuínas: toma o suco, castanha mastiga. Rebubina...