terça-feira, 30 de junho de 2009

A Partida - Um belo filme


Okuribito, excelente filme de Yojiro Takit. O filme trata de vários aspectos da vida e da cultura japonesa: a religiosidade com suas várias linhas religiosas, as relações familiares, a preponderância masculina dentro do casamento, as relações de amizade (observem que os amigos não se abraçam, pelo contrário mantém um distanciamento um tanto frio), a realidade financeira (ficamos sabendo o valor do yen pro japonês), o dia-a-dia, as estações do ano (marcado pela migração dos gansos e pelo florescimento das cerejeiras), a ocidentalização da cultura japonesa, a figura do Sensei, da vocação profissional, do preconceito, mas principalmente o filme trata da relação humana com a morte.


O ser humano é um animal que tem consciência da morte. Isso muda tudo em nossa relação com a vida, este conhecimento é combustível para toda uma forte produção filosófica, artística e cultural. Falar da morte é na verdade pensar a vida, pois esta questão só se dá pra quem tá vivo, óbvio.


"A Partida" tem o mérito de abordar a morte por um viés profundo, que é o da dor da perda de quem fica. Quando o filme trata desta dor, está falando do amor e do afeto. Amor é a outra ponta de forte produção filosófica, artística e cultural humana. Amor e morte são os dois grandes pilares
de nossas reflexões, medos, dores, atitudes.

O respeito e a seriedade com que Daigo Kobayashi trata os corpos dos defuntos, é também, respeito para com seus familiares, para com suas dores.





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A fotografia é tradicional, quente, com planos médios e câmera no tripé. Quando Daigo volta a tocar violoncelo, há um vislumbre de uma quase ousadia, com um plano em plongé, primeiros planos com profundidade de foco (quando um objeto é colocado mais próximo da lente da câmera, enquanto o ator está mais longe, através da diferença de foco percebemos a profundidade), e movimentação da câmera. Há uns dois incômodos zooms que eu me lembre, mas também há belas fotografias da paisagem japonesa.

Edição também tradicional com cenas de ambientação quando muda de ambiente, cenas de passagem de tempo, etc.



Roteiro, lembra um pouco as teorias do Syd Field. Tudo bem, afinal ele é um grande teórico do roteiro cinematográfico. O filme é construído em cima de uma narração (locução do personagem principal, um interferência de linguagem literária no cinema) e em cima de ganchos (cenas que se ligam com outras mais à frente).

O roteiro se confunde
ao lançar como ação principal a relação de Daigo com seu pai e dura uns quinze minutos a mais pra concluir este assunto. Na verdade a ação principal é a relação de Daigo com sua verdadeira vocação que é a de prover um condicionamento de cadáveres respeitoso e confortável à família do defunto. Por isso ele enfrenta sua própria aversão pessoal, o preconceito social e familiar.

Sonorização: as músicas carregam um pouco na tinta, mas funciona e emociona. O filme utiliza os sons dos pássaros como ferramenta dramatúrgica de emoção, de passagem de tempo ou de posicionamento da cena. Boa sonorização descritiva do dia-a-dia do Japão.




As representações têm uma forte influência da dramaturgia tradicional japonesa: um tanto exageradas, caricatas, mas tudo bem, afinal nem todo mundo tem que seguir o manual americano de naturalismo. Vale referência o patrão de Daigo, Ikuei Sasaki.




Recomendo, como diria Sasaki: Delicioso, infelizmente. (é preciso ver o filme pra entender a tirada)





@cajuínas
Paulo Siqueira

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Convergência


O diretor de cinema americano Spike Lee, em recente entrevista no festival de Cannes, falou sobre as possibilidades que as novas mídias oferecem aos produtores, se referiu especialmente ao celular. A palavra do dia entre os profissionais do ramo de publicidade e televisão é convergência. As verbas publicitárias da tv aberta caíram relativamente, desespero para a Globo, que além de disputar com a Record, ganhou um poderoso adversário, YouTube.


Estamos todos em busca desesperadamente de novas idéias que se insiram nesta tal convergência, e o que vem a ser isto? Programas ou serviços que apreendam o espectador na tv, internet e celular. Há no Brasil hoje em dia em torno de 160 milhões de telefones celulares, algo em torno de 50 milhões de usuários de internet. O conceito de uso da internet está mudando, se até há pouco tempo, em nossa cabeça navegar era ir a um terminal (computador em casa ou lanhouse), hoje em dia estamos em plena conectividade, ou seja, conectados fulltime, através de nossos smartphones. Claro que nem todos têm ainda o smartphone, e dos 160 milhões de celulares no Brasil, 120 milhões são pré-pagos. Mas a tendência é esta. Não esqueçamos que o mundo tem 6,5 bilhões de seres humanos, caminhando em marcha corrida para 7 bilhões. Ou seja, 7 bilhões de potenciais consumidores (tá ok, 1/6 da humanidade não é nem de perto consumidora, mas estamos falando de tendências, tá?).

O barateamento da tecnologia é um fator de democratização ao acesso. O que Spike Lee diz, é basicamente: com um celular com câmera, um menino pode fazer um filme. Martin Scorsese em seu livro (Scorserse por Scorserse), lá pelos idos de 1990, dizia que o cinema só vai ser realmente arte, quando uma menina de oito anos, de uma cidade pequena, puder fazer seu filme. Isto já acontece.





Muitos de nós somos apaixonados por cinema, legal! Todos nós podemos fazer filmes, vejamos: câmera hoje em dia é barato, qualquer celular tem, pra editar há softwares gratuitos, pra exibir tem o YouTube, os próprios celulares, há festivais e etc. Quanto à qualidade... bem é outro assunto amplo... Arte não se ensina, o que podemos discutir é o artesanato, as técnicas de execução. Há vários cursos e livros a respeito, também ninguém precisa esperar uma formação universitária para experimentar, um pouco de leitura, um pouco de experimentação, e assim vai.

Acho razoável não tentar encarar um filme pessoal feito em celular, como as superproduções holywoodianas (dá pra fazer, quem não se lembra do Ronaldinho acertando o travessão 3 vezes seguidas? Isso não tem a ver com a mídia, mas com os recursos). Efeitos especiais, explosões, tiros, etc. Mas há outras variáveis interessantes e fortes: uma boa história, com uma trama interessante e personagens pertinentes. Sugiro pra quem quer começar a estudar o assunto que leia "A Poética" - Aristóteles.



Dicas:

Boa trama - dramaturgia é conflito. Escolha um bom conflito, um perigo, um vilão, uma escolha difícil, tudo deve envolver riscos (morte, perder o amor da vida, ser corrompido, etc).

Personagens - especial atenção, nós assistimos filmes, séries, peças, por conta dos arquétipos que os personagens são. Nós nos identificamos com os personagens, em especial o herói. Portanto a construção do herói deve ser sólida. Todos os seres humanos têm virtudes e defeitos. O herói deve ser assim, ter traços notáveis, ou heróicos, como coragem, bondade, sensibilidade e etc. Mas deve ter também contrapontos, um deles (que chamamos de falha trágica) pode leva-lo a morte ou a falhar em sua jornada (sua vivência ao longo da trama). Ao fim de sua jornada, o herói deve receber uma recompensa (ganhar a mocinha, matar o vilão, aprender algo), mas principalmente, deve superar sua falha trágica e crescer.




@cajuínas

terça-feira, 23 de junho de 2009

Provérbios e saberes humanos

A sabedoria humana tem produzido pensamentos, reflexões e ditados que sintetizam épocas ou que, perenes, se tornam sabedorias de toda a humanidade. Esses ditos são produtos de sua época e respostas às situações que os homens enfrentam, e com as quais aprendem.

Cito agora algumas frases que sobreviveram ao longo da história.



Se houver um general forte, não haverá soldados fracos.
Provérbio chinês

Quem vai à guerra, dá e leva.
Provérbio Militar


Não pressiones demais o covarde que ele vira valente.

Provérbio árabe

Enquanto o cão rói o osso, odeia o companheiro, a quem estima.
Provérbio medieval

O ladrão tem trabalho leve e sonhos ruins.
Provérbio Judeu

Um rato com uma rosa na cabeça, sempre será um rato.
Provérbio cigano

Não bate no menino que um dia ele cresce, quem bate não se lembra, quem apanha nunca esquece.
Corrido de capoeira

Mais vale uma 635 na mão que uma 45 embainhada.
ditado armeiro

Si vis pacem para bellum

Se queres a paz, prepara a guerra.

Coração de vagabundo é na sola do pé.
Dito popular carioca

A vida Louca: o bagulho é doido e o processo é lento.
Frase dos traficantes do Rio de Janeiro

É melhor ser julgado por 7 a ser carregado por 6!
Frase da polícia de New York



@cajuínas

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Segurança Pública, uma matéria multidiciplinar, um Tripé.



A segurança pública se fundamenta num tripé: Educação-Oportunidades-Repressão. A educação é fundamental para que o indivíduo possa refletir sobre si, sua realidade, seja capaz de abstrair possibilidades para sua vida e se tornar mão-de-obra qualificada.

Criança tem que estudar e brincar, depois que fica adulta é preciso gerar oportunidades de inserção no mercado de trabalho, porque senão, de nada adiantam investimentos em educação, teremos somente criminosos mais qualificados. É preciso que o ganho salarial seja mais vantajoso, hoje em dia quem vive no mercado informal, mantém um padrão de vida muito próximo ao trabalhador formal. O salário só aumenta quando a demanda cresce, com o excedente de mão-de-obra que existe no Brasil hoje, dificilmente haverá aumento real dos salários.

Quando tudo falha é preciso a repressão policial, o medo da punição é um fator inibidor. Além do que as polícias e o sistema prisional são potenciais absorvedores de mão-de-obra (a razão ideal de policiamento, é de um policial para cada 250 habitantes). O enfrentamento ao crime deve ser levado adiante, e deve ser realizado dentro de princípios legais e democráticos. Quem vai enfrentar um criminoso armado é necessariamente um policial. Portanto é fundamental o investimento nas polícias. Muito se fala do uso de inteligência policial, mas o que é isso de fato? Um investigação pode levar anos (As operações contra a Cosa Nostra levaram anos e não acabaram com a máfia italiana, por outro lado o juiz Falcone foi assassinado). Coloco abaixo a entrevista com um responsável pelos setores de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o qual preferiu o anonimato. Vamos chama-lo de Alberto.






1) O que é inteligência policial?
R.: Inteligência policial é quando os agentes deixam de usar a força bruta e adotam medidas mais ligadas à tecnologia, produzindo conhecimento. Usar os meios necessários para se chegar a residência dos criminosos. Usar contatos (interpessoais) por exemplo na Light, e com a roupa desta empresa, ou seus veículos, efetuar levantamentos em casas ou edifícios, podendo checar ainda o aumento do consumo de energia elétrica (fato este que estaria indicando um aumento de pessoas naquele imóvel). A inteligência usa recursos existentes como levantamentos através de sites específicos por meio dos nomes (desta forma descobre-se filiação, endereço, CPF, etc. - pode-se então checar num banco de dados se já foi feito algum Registro de Ocorrência por qualquer fato - descobre-se então o número do celular, os dados do veículo, etc.)

2) As pessoas assistem CSI e acreditam. Aquilo é possível? É possível no Brasil?
R.: Se os métodos usados no CSI existem? - Sim existem.

Se é possível o uso no Brasil? - Depende única e exclusivamente de vontade política. De quererem usar o dinheiro, realmente para descobrir a autoria de um crime. Lembre-se do caso PC Farias. Apareceu perito da USP, perito especialista (Mauro Ricart), fizeram confronto de impressões deixadas, etc. Tinham vontade de resolver por causa da mídia.



Quanto à série CSI ...
Lá não precisa de tira, de polícia. A perícia faz tudo. Vai ao local do crime, colhe os indícios, analisa, seus peritos possuem conhecimento na idade da morte de determinadas vespas encontradas nas cavernas da Bolívia, possuem banco de dados interligados, equipamentos de última geração para tudo que precisam, todos em funcionamento, técnicos disponíveis com conhecimento científico, tempo, verbas ... e se não bastasse, ao analisarem, chutam a polícia de rua, chamando o "suposto" criminoso para interrogatório (rasgaram os procedimentos básicos - perito faz perícia - investigador investiga - Autoridade de Polícia conduz as investigações) e depois de mostrarem a ele suas provas (chutaram novamente o Ministério Público) fazem na maior parte das vezes que ele confesse o crime. Então o prendem (não lembro de ter visto em nenhum episódio da série a leitura dos direitos e garantias) e o levam a julgamento. A polícia americana deve se retorcer com tamanha barbaridade!! Aqui existem tiras que passam mal quando vêem os furos ... Os peritos de lá, atiram bem, são estudiosos, interrogam e prendem.
Quero uma polícia dessas aqui também!!

3) Um trabalho de inteligência pode levar anos, correto? A sociedade, a imprensa, o governo
pressionam sempre. Isso prejudica o trabalho policial sério? Como explicar pra opinião pública
o que deve ser feito?
R.: Sim, um trabalho de inteligência pode levar anos. Por exemplo a prisão pelo Dr. Francischini da Polícia Federal do Juan Carlos Abadia, levou alguns anos. Mas não podemos esquecer que um agente da Polícia Federal, ganha muito bem e pode se dedicar a um "grampo" por muito tempo sem se incomodar com outros crimes. Acho que a primeira meta deveria ser de uma polícia mais bem paga. A corrupção não acaba! Existe corrupção na Federal, na polícia americana, em qualquer lugar. A Polícia Federal, fez o certo. Mexeu nos salários gradativamente, melhorou o nível de seus policiais e criou uma corregedoria forte. Sociedade, imprensa, Governo, sempre vão pressionar! Mas pense que com resultados, se cala a boca de muita gente. Vide como um exemplo o trabalho da CO.R.E. Ninguém bate, porque não existe nenhum (por menor que seja) boato de corrupção, o nível dos policiais é diferente da grande maioria da polícia, eles não são corruptos (pois se fossem não estaria na CO.R.E. - estariam fazendo "trabalhinhos" em outras Unidades de Polícia). A maioria das Delegacias possuem vários PMs adidos. Para que? Para arrumar dinheiro. Na CO.R.E. até existem, mas eles estão lá, pela promoção, pois ninguém leva dinheiro de forma alguma.

A Polícia Militar que é a polícia ostensiva, deveria ser ligada à Secretaria de Segurança. A Polícia Civil, que é judiciária, deveria ser como a Polícia Federal, ligada ao Tribunal de Justiça. Onde já se viu, duas policias dividindo espaço, atribuições e trabalhando numa enorme desconfiança? Não existe vontade de acabar com isso pelo poder público. Numa "anarquia" os corruptos, os infratores, saem sempre protegidos de alguma forma. É melhor, uma polícia desunida, fraca, revoltada, que seu inverso.
O número de prisões iria ser absurdo!!

Alberto, policial civil/RJ



É isso aí, a opinião de um profissional com mais de vinte anos de profissão. Pretendo agora realizar uma com um professor, outra sobre como gerar emprego e renda, com algum profissional da área de planejamento ou de economia.

Abs.





@cajuínas

segunda-feira, 15 de junho de 2009

The Shield



Vale a pena passar na locadora e pegar as temporadas completas desta série. The Shield é uma série que retrata uma delegacia policial americana, em um bairro violento de Los Angeles. Ao contrário das séries do gênero, como CSI, Lei e Ordem, não há super-tiras que sabem tudo. O grande mérito da série é apresentar personagens dúbios, humanos, em alguns momentos com medo, outros com coragem, egoístas, solidários, corruptos, nobres. Nas faixas dos dvds onde há os documentários com os produtores, percebemos o porque do resultado tão bom. Os roteiristas pesquisam a fundo o mundo marginal de L.A., os tipos, as gírias, os costumes. Foram construídos persongens muito interessantes:


Vic Makey- o principal, o herói da série, líder da unidade de choque. Corrupto, logo no primeiro episódio da primeira temporada, mata um policial que o investigava, violento, truculento, mas por outro lado, extremamente leal aos companheiros, à família, procura sempre, em sua moral bizarra, fazer o que acredita ser certo. Sua incapacidade de se comunicar, seja com sua família, seja com seus chefes, é sua maior fraqueza (sua falha dramática).

David Aceveda - o capitão da delegacia que se torna vereador. De origem latina, é o antagonista de Vic. Veste o manto da legalidade, mas faz acordos políticos e sua grande ambição é ser prefeito de L.A. Não se corrompe por dinheiro, mas seus compromissos políticos não deixam de ser uma forma de corrupção.








Claudette Wyms- detetive negra, mulher. Antagoniza com Vic e Aceveda, extremamente competente, busca sempre o lado certo. É irritante vê-la ir a fundo em investigações que podem comprometer Vic. Os roteiristas brincam com isso o tempo todo.



Shane - do ponto de vista dramático é um personagem muito interessante, meio estúpido, usuário de drogas, corrupto, emotivo ao extremo, sempre caga com tudo. Extremamente leal ao amigo Vic, se tornam inimigos no final da sexta temporada, pois Shane mata um de seus companheiros, pensando que ele iria cagüeta-los.







A direção valoriza em muito o trabalho dos atores, ao invés de obrigá-los a se adequar às marcas de luz e câmera, é ao contrário, a luz é que se adapta e sempre filmam com duas câmeras para captar o trabalho dos atores. É interessante observar o cuidado com as interpretações sem fala, os olhares as contracenadas e etc.

A edição é um show a parte, são três editores se revezando, cada um edita um capítulo. Primeiro se montam as cenas, depois as colocam na ordem do roteiro, adequam ao tempo e a direção, a produção e a rede discutem. Segue a linha de valorização do trabalho dos atores e contracenações. A sonorização leva especial atenção, são oito profissionais, na segunda temporada há uma faixa que explica o processo. Eles optam por utilizar a trilha sonora com justificativa geográfica, ou seja, não há trilha incidental, as músicas sempre vêm de uma fonte que está em cena, como uma rádio.





No Brasil há uma linha de séries que se inspirou no The Shield. Entre elas: 9mm São Paulo, A Lei e o Crime e Força Tarefa. Esta última está mais para O Pantera, nada funciona, Murilo Benício que é um grande ator, faz um policial que masca chicletes... As atuações são pífias, as situações inverossímeis, as cenas de lutas risíveis (há uma cena de coronhada em que a arma nem toca o outro ator, podiam ter pelo menos resolvido na edição), a trilha sonora é irritante, e a fotografia tenta dar um clima noir que não funciona. A Globo deveria exigir mais pesquisa de campo de seus profissionais quando se propõe a fazer algo assim. Nesta a Record saiu na frente e tá a Globo correndo atrás...



@cajuínas

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Vampiro Tadeu - Fragmento do livro Cajuínas


Lá perto da Borborema, na cidade noite em serena, quando canta a siriema, colhe a morte tanta criança pequena, que o funerário já fazia o caixão na medida da inocência. Da barriga inchada, pés no chão, de cada cinco, quatro não vivem, não. Mas dessa vez não é uma criança que se vela na capela. Morreu Tadeu. Tão ainda moço, tão querido, morreu de congestão. Por sua mulher dedicada, foi achado na cozinha ao chão. Chora agora em dedicação, na tristeza viúva, choram mãe, pai, irmão. Tão os amigos, os parentes, foi até mesmo uivar seu cão, Jubá, pastor tão valente, brigador de onça, cobra, solidão.

O velório se vela no lamento, no carpir, há tanta emoção. Era querido Tadeu, não duvide disso, não. Mas eis que em meio à romaria, do povo que todo ia à capela dar seu adeus, seu conforto à viúva, sua vela e oração, levanta Tadeu de dentro do caixão. Estranham aquilo, espantam todos, correm muitos, alguns ficam, então. A viúva desmaia, a mãe se ajoelha, o pai pede perdão, Jubá satisfação. Mas tava vivo Tadeu, não morrera não. Cataléptico que era, parecia que se ia, mas era ainda um entre os que vivos estão. Acode o padre, chamam polícia e o médico do plantão. A explicação como se dera, nem a todos deu satisfação. Diz ainda o povo de lá, que Tadeu é um vampiro, de dia anda como gente vivente, come, ri, trabalha. Mas na madrugada, quando a lua não se dá por nada, o vampiro corre campo chupando cabra, bêbado caído, mulher de vida safada, ou criança que não foi batizada.

Assim ficou o vampiro Tadeu, aquele que se foi mas não morreu. O chupa-cabra da Borborema, onde canta a siriema, onde a morte prefere criança pequena. Onde a vida não vale a pena, ou se vale dura apenas, a chama que à vela queima. Lá leva vida Tadeu, se a morte não o venceu, diz o povo que ao diabo se corrompeu, sua alma a vendeu. Agora por mês, tem sua cota de sangue a pagar pelo que deveria ser do seu. É por isso diz a gente toda, que Deus os Esqueceu. Deixou suas crianças à mercê do vampiro Tadeu. Enquanto aquele povo não for puro e decente, vai morrer toda gente, as crianças vão na frente. Não se salvam nem os crentes na fé do Deus Vivente. A cada dia um morreu, todos lembram logo do vampiro, o Tadeu.



@cajuínas

sexta-feira, 5 de junho de 2009

As Memórias do Livro - Geraldine Brooks



Este livro de Geraldine Brooks, tem uma idéia muito interessante, um Hagadá do século XV reaparece em Sarajevo logo após o fim da guerra civil, em 1996. O Hagadá estava desaparecido desde o início da guerra, e acreditava-se que havia se tornado cinzas nas trincheiras bósnias. Mas para surpresa geral, fora salvo por um mulçumano, apesar do Hagadá ser um texto judaico.

O Hagadá então vai para as mãos de uma experiente restauradora para que ela o conserve e tente descobrir o que foi a vida deste livro. Ou seja, é a história da história de um livro, quase um CSI da literatura e da história. Através de fragmentos de pigmentação, asas de insetos, fios de cabelo, manchas de vinho, a heroína (Hanna) tenta refazer a trajetória do livro ao longo dos séculos, das guerras, inquisições, progroms, misérias, e etc. Com isso vamos aprendendo um pouco sobre momentos da história, costumes, tradições, etc.

A idéia é muito excitante, a execução deixa um pouco a desejar. Numa linguagem mais simples e direta não surpreende, os personagens são um tanto o quanto simplificados (os judeus todos cultos, os cristãos tolos ou intolerantes, os comunistas escrotos, os mulçumanos amigos dos judeus). Nada contra a defesa da cultura judaica, tão importante para o nosso mundo, tão vasta e bela, mas isso não precisa ser feito em detrimento de outras culturas, nem simplificando as características dos personagens, pra exemplificar: quando se descreve a perseguição aos judeus na Sarajevo da segunda guerra mundial, se justifica o apoio mulçumano, dizendo-se que foram somente uma minoria que participou, e por outro lado, os relatos do pós-guerra, (ou antes, nos relatos dos partisans de Tito) caracteriza-se os comunistas como despóticos, insensíveis à cultura e até mesmo a vida humana.

Os contos suplementares, que ilustram pelo que passou o manuscrito são bem inferiores ao mistério proposto. Mas vale a pena, leitura fácil e agradável.

É uma obra de amor à literatura, à história, à cultura, à ciência e ao saber. É um protesto contra a intolerância, a guerra, os preconceitos e à tirania. Nos lembra o valor que o conhecimento humano tem, assim como o próprio ser humano em suas vastas emoções e sua capacidade criativa, com seu compromisso em preservar sua história. Nos lembra quantos sacrificaram suas vidas pra proteger pergaminhos, papiros, fragmentos, livros ou o que seja. Nos lembra o perigo em se pregar a queima de livros, que nada mais são que depositários de todo o saber e culturas humanas. Alô diplomacia brasileira!!!



Hoje em dia, quando o anúncio da nova geração de leitores digitais aflige aos apaixonados pela literatura, creio que devemos ter em mente que os livros nem sempre existiram, havia outros suportes antes que deram lugar ao livro. Ser contra o leitor digital hoje, me soa como alguém, ao tomar conhecimento de Gutenberg, dissesse: Nada, nunca, vai substituir um bom copista! Já vimos esta história antes, quando o computador chegou e mostrou que veio pra ficar, alguns defendiam o prazer de se produzir nas máquinas de escrever. Os mesmos que hoje utilizam o computador avidamente.

Em tempo: A Ediouro poderia ter feito uma revisão melhor da tradução. Há muitos erros, pelo menos na minha edição.




@cajuínas

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pesquisas da campanha presidencial e o Mister M da Questão.


A semana começou com muitas especulações a respeito das novas pesquisas sobre a corrida presidencial de 2010. Quem conhece um pouco de ilusionismo, sabe que a estratégia de qualquer mágico é chamar a atenção prum lado, enquanto o verdadeiro truque está em outro lado. Ficar fazendo previsões sobre as pesquisas agora é leviano, é tolo.

Li artigos que especulavam sobre um possível desespero do PSDB, e até levantaram a hipótese de desistência do Serra, outros sobre o crescimento das pesquisas da pré-candidata Dilma acalmando o PT e o PMDB e garantindo que não haveria terceiro mandato. Ou de que João Santana espera que Dilma chegue à casa de 30% pra poder "nadar de costas" na campanha.

Gente! É muito cedo pra qualquer especulação, é tentar adivinhar o placar de um jogo que nem começou, e pior! Os times nem foram escalados. Se política é que nem o céu, há muito vento pra soprar as nuvens do cenário político brasileiro, ainda virão muitas chuvas e tempestades.

O nó da questão não está nas pesquisas de agora. É óbvio que o candidato do governo, quem quer que seja (até mesmo se o Lula me indicar- já imaginou?), vai estar no patamar de 30% ou em torno disso. O importante é resolver as questões estaduais. Não tenham dúvidas de que ninguém vai levar o PMDB inteiro, o governo pode levar o nacional e seu tempo de televisão (creio que superestimam o tempo excessivo na tv) mas como vai resolver o Rio Grande do Sul? São Paulo? Minas Gerais? Etc. Qualquer aliança agora é tosca, pode ser facilmente rompida à luz do céu como ele se apresentar ano que vem, em meados do ano, sem grandes traumas, gritarias ou acusações. Isso já aconteceu antes e vai acontecer muitas e muitas vezes no futuro. Bobagem achar que o Renan Calheiros quer fechar algum acordo eleitoral agora (olha o Mister M aí gente.)

No Rio de Janeiro, o Lindemberg Farias tem tirado o sono do Cabral (este, muito mal avaliado pela população carioca, aliás). Não esqueçamos que o Rio foi o fiel na balança de 2006, quando o Alkmin (um exemplo de bom administrador, mas como candidato deixa a desejar e mal articulador) errou absurdamente e o Lula acertou magistralmente fechando a aliança com o Cabral. Mas não me parece que o Lindemberg neste momento queira sair candidato a governador (claro que estou especulando).

Itamar Franco se filiou o PPS, o que gera toda uma ventania no céu de Minas. Ex-presidente, o Real e a estabilidade inflacionária e econômica começaram em seu governo.

É absurdo também, acreditar que o Serra não está em campanha. Tanto o Serra, quanto a Dilma estão se articulando. A Dilma vem inaugurando tudo o que pode, pois precisa de visibilidade. Já o Serra vem costurando nos estados, aparentemente fechou com o PMDB de São Paulo, vai à Minas esses dias... Creio que acerta, pois o estudos mostram que o eleitor brasileiro não tem tradição de decidir seu voto tão cedo.

Lula vem ao Brasil, inaugura alguma obra, vai lá pra fora e se esquiva de qualquer desgaste. Por maior que seja sua popularidade, teve que recuar na questão da poupança. O terceiro mandato ainda está na mesa, besteira achar que não há tempo pra se articular. Não foi diferente com Fernando Henrique com a reeleição. As pesquisas marcaram uma maior aceitação popular ao terceiro mandato, e aí aparece Mister M, todo mundo discutindo a ascensão de Dilma, sua provável cura (o que sinceramente desejamos todos), mas já tá empatado o número de pessoas que querem ou que não querem o terceiro mandato. Por mais que o presidente diga que é contra, vem inaugurando obras demais e citando (cinicamente) demais o tempo que Tony Blair ou Margaret Tatcher estiveram no poder, sem o menor pudor de explicar a diferença entre parlamentarismo e presidencialismo.




@cajuínas

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Três Macacos, um filme muito bom


Três Macacos (Nuri Bilge Ceylan) é um filme muito interessante. Filme turco produzido em video (HDCAM) conta a história de uma família, cuja o pai aceita ser preso no lugar do patrão.

Vale destacar a fotografia do filme (Gökhan Tiryaki), na contramão do que é o padrão hoje em dia (com as cores supersaturadas, como se tudo fosse um comercial publicitário), em Três Macacos o tom é pastel, quente. Gökhan/Nuri usam magistralmente o recurso das lentes grandes-oculares e teleobjetivas, inserindo-as dentro de um contexto dramático, com isso,economizando recursos de trilha sonora para "sensoriar" o espectador. Quem se lembrar, pode reparar na cenas no apartamento, quando a mãe (Hatice Aslan) e o filho (Rifat Sungar) assistem televisão, a grande-ocular amplia o ambiente, aumentando a sensação de distância entre os personagens, e evidenciando o tédio do dia a dia. Em outros momentos, o apartamento é fotografado com teleobjetivas, criando a claustrofobia, o calor e a tensão dramática do ambiente.



A sonorização é outro presente (Umut Senyol) o personagem de Eyüp (Yavuz Bingol) tem sempre uma respiração pesada, incômoda. O som do trem, dos pássaros, da tempestade, e etc. A única música do filme é o toque de celular de Hacer.




O filme sempre brinca com nossos sentimentos com relação aos persongens que são multifacetados, Eyüp se sacrifica pelo patrão (Ercan Kesal), vai pra cadeia, mas na primeira cena em que sai, é agressivo com o filho Ismail, logo em seguida não consegue transar com a esposa, mistura agressividade com carinho, mas no fim o que sobra é distância. Especial a cena em que Eyüp se esquiva nas sombras, esperando a esposa se suicidar, em seu rosto tenso há um misto de ansiedade, raiva, medo, culpa. Em seguida, é extremamente calmo e caridoso para com Hacer, a esposa. Hacer trai o marido, enquanto este se encontra preso, com o próprio patrão, nenhum de nós homens aguenta isso. É o cúmulo, mas quando o marido, Eyüp sai da cadeia, começamos a entender sua solidão amarga. Ismail, o filho, e Servet, o patrão trazem inconstâncias, raivas, fraquezas, medos... É valoroso observar personagens humanos que não precisam justificar suas ações em um passado triste, mas sim nas emoções e éticas do seu presente dramático. Há o personagem onírico do filho de Eyüp, que morreu afogado e que não consegui absorver bem no contexto do filme. Talvez tivesse que conhecer mais a cultura turca para compreendê-lo. Os atores cumprem bem os papéis profundos, fortes e delicados que lhes cabem, claro que não há como avaliar realmente uma atuação em turco, mas as respirações, os olhares, as ações físicas estão todas lá.

Vale atenção:

cena em que Ismail esbofeteia a mãe (a dublagem é meio óbvia, mas tudo bem). A cena em que Eyüp espera tenso a mulher se suicidar. A cena em que Ismail, deitado na cama vê o irmão morto, o suor corre ao contrário, marcando o tempo reverso da cena. A cena do carro entre Servet e Hacer, a edição brinca com o som das falas, enquanto vemos os personagens calados, para no plano seguinte aparecerem falando. A cena da briga entre Servet e Hacer, toda em plano aberto de longe, com a baía ao fundo. No último corte da cena, o único, percebemos que alguém espreita dos arbustos. A cena em que Ismail atravessa os trilhos do trem e segue pelo mato, a bela fotografia e o uso do Glow na imagem ( na camisa de Ismail).

A edição é muito bem realizada, lapidando o tempo de acordo com a necessidade dramática e em total sintonia com a fotografia, algo difícil nos dias de hoje, quando as edições que chamam a atenção são as clipadas, com cortes rápidos.




Incrível a nossa (pelo menos a minha) ignorância que gera preconceitos com relação à Turquia. Um País metade europeu, às portas da UE, uma ponte entre o ocidente cristão e o oriente mulçumano. Nos esquecemos que são pessoas como nós, com suas vidas, suas famílias, suas angústias, seus dramas pessoais, suas emoções. Peço aqui desculpas publicamente por esquecer que somos todos seres humanos, e cair na propaganda que nos vende os mulçumanos como exóticos, ou terroristas em potencial. Em algum momento da história, teremos que atravessar o canal não com armas em punho, mas nos darmos as mãos e buscarmos construir caminhos de paz , compreensão e solidariedade. O império Turco-Otomano foi durante o milênio medieval, uma luz de sabedoria, ciência, filosofia e paz na Europa, África e Ásia. Claro que não posso concordar com monarquias fundamentalistas, ou qualquer forma de ditadura. Mas isto não me parece privilégio oriental, nem muito menos mulçumano. Muito menos no que se refere aos líderes carismáticos...




@cajuínas