Três Macacos (Nuri Bilge Ceylan) é um filme muito interessante. Filme turco produzido em video (HDCAM) conta a história de uma família, cuja o pai aceita ser preso no lugar do patrão.
Vale destacar a fotografia do filme (Gökhan Tiryaki), na contramão do que é o padrão hoje em dia (com as cores supersaturadas, como se tudo fosse um comercial publicitário), em Três Macacos o tom é pastel, quente. Gökhan/Nuri usam magistralmente o recurso das lentes grandes-oculares e teleobjetivas, inserindo-as dentro de um contexto dramático, com isso,economizando recursos de trilha sonora para "sensoriar" o espectador. Quem se lembrar, pode reparar na cenas no apartamento, quando a mãe (Hatice Aslan) e o filho (Rifat Sungar) assistem televisão, a grande-ocular amplia o ambiente, aumentando a sensação de distância entre os personagens, e evidenciando o tédio do dia a dia. Em outros momentos, o apartamento é fotografado com teleobjetivas, criando a claustrofobia, o calor e a tensão dramática do ambiente.
A sonorização é outro presente (Umut Senyol) o personagem de Eyüp (Yavuz Bingol) tem sempre uma respiração pesada, incômoda. O som do trem, dos pássaros, da tempestade, e etc. A única música do filme é o toque de celular de Hacer.
O filme sempre brinca com nossos sentimentos com relação aos persongens que são multifacetados, Eyüp se sacrifica pelo patrão (Ercan Kesal), vai pra cadeia, mas na primeira cena em que sai, é agressivo com o filho Ismail, logo em seguida não consegue transar com a esposa, mistura agressividade com carinho, mas no fim o que sobra é distância. Especial a cena em que Eyüp se esquiva nas sombras, esperando a esposa se suicidar, em seu rosto tenso há um misto de ansiedade, raiva, medo, culpa. Em seguida, é extremamente calmo e caridoso para com Hacer, a esposa. Hacer trai o marido, enquanto este se encontra preso, com o próprio patrão, nenhum de nós homens aguenta isso. É o cúmulo, mas quando o marido, Eyüp sai da cadeia, começamos a entender sua solidão amarga. Ismail, o filho, e Servet, o patrão trazem inconstâncias, raivas, fraquezas, medos... É valoroso observar personagens humanos que não precisam justificar suas ações em um passado triste, mas sim nas emoções e éticas do seu presente dramático. Há o personagem onírico do filho de Eyüp, que morreu afogado e que não consegui absorver bem no contexto do filme. Talvez tivesse que conhecer mais a cultura turca para compreendê-lo. Os atores cumprem bem os papéis profundos, fortes e delicados que lhes cabem, claro que não há como avaliar realmente uma atuação em turco, mas as respirações, os olhares, as ações físicas estão todas lá.
Vale atenção:
cena em que Ismail esbofeteia a mãe (a dublagem é meio óbvia, mas tudo bem). A cena em que Eyüp espera tenso a mulher se suicidar. A cena em que Ismail, deitado na cama vê o irmão morto, o suor corre ao contrário, marcando o tempo reverso da cena. A cena do carro entre Servet e Hacer, a edição brinca com o som das falas, enquanto vemos os personagens calados, para no plano seguinte aparecerem falando. A cena da briga entre Servet e Hacer, toda em plano aberto de longe, com a baía ao fundo. No último corte da cena, o único, percebemos que alguém espreita dos arbustos. A cena em que Ismail atravessa os trilhos do trem e segue pelo mato, a bela fotografia e o uso do Glow na imagem ( na camisa de Ismail).
A edição é muito bem realizada, lapidando o tempo de acordo com a necessidade dramática e em total sintonia com a fotografia, algo difícil nos dias de hoje, quando as edições que chamam a atenção são as clipadas, com cortes rápidos.
Incrível a nossa (pelo menos a minha) ignorância que gera preconceitos com relação à Turquia. Um País metade europeu, às portas da UE, uma ponte entre o ocidente cristão e o oriente mulçumano. Nos esquecemos que são pessoas como nós, com suas vidas, suas famílias, suas angústias, seus dramas pessoais, suas emoções. Peço aqui desculpas publicamente por esquecer que somos todos seres humanos, e cair na propaganda que nos vende os mulçumanos como exóticos, ou terroristas em potencial. Em algum momento da história, teremos que atravessar o canal não com armas em punho, mas nos darmos as mãos e buscarmos construir caminhos de paz , compreensão e solidariedade. O império Turco-Otomano foi durante o milênio medieval, uma luz de sabedoria, ciência, filosofia e paz na Europa, África e Ásia. Claro que não posso concordar com monarquias fundamentalistas, ou qualquer forma de ditadura. Mas isto não me parece privilégio oriental, nem muito menos mulçumano. Muito menos no que se refere aos líderes carismáticos...
@cajuínas
Vale destacar a fotografia do filme (Gökhan Tiryaki), na contramão do que é o padrão hoje em dia (com as cores supersaturadas, como se tudo fosse um comercial publicitário), em Três Macacos o tom é pastel, quente. Gökhan/Nuri usam magistralmente o recurso das lentes grandes-oculares e teleobjetivas, inserindo-as dentro de um contexto dramático, com isso,economizando recursos de trilha sonora para "sensoriar" o espectador. Quem se lembrar, pode reparar na cenas no apartamento, quando a mãe (Hatice Aslan) e o filho (Rifat Sungar) assistem televisão, a grande-ocular amplia o ambiente, aumentando a sensação de distância entre os personagens, e evidenciando o tédio do dia a dia. Em outros momentos, o apartamento é fotografado com teleobjetivas, criando a claustrofobia, o calor e a tensão dramática do ambiente.
A sonorização é outro presente (Umut Senyol) o personagem de Eyüp (Yavuz Bingol) tem sempre uma respiração pesada, incômoda. O som do trem, dos pássaros, da tempestade, e etc. A única música do filme é o toque de celular de Hacer.
O filme sempre brinca com nossos sentimentos com relação aos persongens que são multifacetados, Eyüp se sacrifica pelo patrão (Ercan Kesal), vai pra cadeia, mas na primeira cena em que sai, é agressivo com o filho Ismail, logo em seguida não consegue transar com a esposa, mistura agressividade com carinho, mas no fim o que sobra é distância. Especial a cena em que Eyüp se esquiva nas sombras, esperando a esposa se suicidar, em seu rosto tenso há um misto de ansiedade, raiva, medo, culpa. Em seguida, é extremamente calmo e caridoso para com Hacer, a esposa. Hacer trai o marido, enquanto este se encontra preso, com o próprio patrão, nenhum de nós homens aguenta isso. É o cúmulo, mas quando o marido, Eyüp sai da cadeia, começamos a entender sua solidão amarga. Ismail, o filho, e Servet, o patrão trazem inconstâncias, raivas, fraquezas, medos... É valoroso observar personagens humanos que não precisam justificar suas ações em um passado triste, mas sim nas emoções e éticas do seu presente dramático. Há o personagem onírico do filho de Eyüp, que morreu afogado e que não consegui absorver bem no contexto do filme. Talvez tivesse que conhecer mais a cultura turca para compreendê-lo. Os atores cumprem bem os papéis profundos, fortes e delicados que lhes cabem, claro que não há como avaliar realmente uma atuação em turco, mas as respirações, os olhares, as ações físicas estão todas lá.
Vale atenção:
cena em que Ismail esbofeteia a mãe (a dublagem é meio óbvia, mas tudo bem). A cena em que Eyüp espera tenso a mulher se suicidar. A cena em que Ismail, deitado na cama vê o irmão morto, o suor corre ao contrário, marcando o tempo reverso da cena. A cena do carro entre Servet e Hacer, a edição brinca com o som das falas, enquanto vemos os personagens calados, para no plano seguinte aparecerem falando. A cena da briga entre Servet e Hacer, toda em plano aberto de longe, com a baía ao fundo. No último corte da cena, o único, percebemos que alguém espreita dos arbustos. A cena em que Ismail atravessa os trilhos do trem e segue pelo mato, a bela fotografia e o uso do Glow na imagem ( na camisa de Ismail).
A edição é muito bem realizada, lapidando o tempo de acordo com a necessidade dramática e em total sintonia com a fotografia, algo difícil nos dias de hoje, quando as edições que chamam a atenção são as clipadas, com cortes rápidos.
Incrível a nossa (pelo menos a minha) ignorância que gera preconceitos com relação à Turquia. Um País metade europeu, às portas da UE, uma ponte entre o ocidente cristão e o oriente mulçumano. Nos esquecemos que são pessoas como nós, com suas vidas, suas famílias, suas angústias, seus dramas pessoais, suas emoções. Peço aqui desculpas publicamente por esquecer que somos todos seres humanos, e cair na propaganda que nos vende os mulçumanos como exóticos, ou terroristas em potencial. Em algum momento da história, teremos que atravessar o canal não com armas em punho, mas nos darmos as mãos e buscarmos construir caminhos de paz , compreensão e solidariedade. O império Turco-Otomano foi durante o milênio medieval, uma luz de sabedoria, ciência, filosofia e paz na Europa, África e Ásia. Claro que não posso concordar com monarquias fundamentalistas, ou qualquer forma de ditadura. Mas isto não me parece privilégio oriental, nem muito menos mulçumano. Muito menos no que se refere aos líderes carismáticos...
@cajuínas
Otimas análises, ótima percepção e comentários elaborados com maestria, parabens :)
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