Excelente filme do diretor Stephen Daldry, atuações maravilhosas, destaques para Kate Winslet (vencedora do oscar 2009) que compôs uma personagem com olhar duro, desconfiado, e principalmente, frio, a não ser nos momentos em que ouvia as leituras dos livros, quando então se iluminava com um brilho emocionado. Ralph Fiennes compõe também um personagem maravilhoso, distante, formal, interessante observar sua postura corporal na cenas de maior emoção para o seu personagem (na prisão com Hanna, e em NY com Rose Mather), Fiennes criou uma postura corporal com o lado direito do corpo caído, cheio de culpa, tenso. Devemos abstrair os sotaques britânicos dos atores, mas gente isso é frescura, né?!
Destaques também para Matthias Habich (que faz o pai do herói), atores! Observem como uma atuação magistral e marcante pode ser obtida de um personagem que só aparece nas cenas do jantar em família, e que quase não possui fala, mas quando a tem, a utiliza dentro de toda uma codificação de olhar, respiração, e intenção. Outro destaque é o professor, segundo pai do herói, vivido pelo Bruno Ganz, com seu tom um tanto tenso/contido, depois entendemos que foi prisioneiro de um campo de concentração, e mantém sutilmente um olhar e respiração marcados pela loucura que viveu.
Consegue abordar temas como a iniciação sexual, o amor à literatura, o amadurecimento, a dificuldade do relacionamento em família, o desgaste de uma relação amorosa, a juventude alemã do pós-guerra, a liberação sexual nos anos 60, a relação pai/filhos, o divórcio, a Alemanha pós-guerra, a vida do proletário, o holocausto, a participação das grandes empresas alemãs na mostruosidade nazista, os julgamentos, e principalmente a culpa de todo um povo confrontando seu passado, onde todos fingem não saber o que houve, mas em verdade todos participaram.
Muito bem elaborado, consegue nos cativar, e não se torna enfadonho em nenhum momento, nem mesmo nos debates na universidade, quando se discute os conceitos filosóficos de lei versus moralidade. Traz perguntas cujas as respostas não são dadas, mas o espectador conclui, e se torna agente ativo da discussão. Há sutilezas, como quando Michael pergunta a Hanna se ela reflete sobre passado, e ela pensa que ele se refere aos dois, vinte anos atrás, mas na verdade ele questiona sobre a sua participação nas SS. Ou seja, mesmo julgada e condenada, ela não se sente culpada, claro que não meu caro Watson! Tudo fica bem claro quando o juiz lhe pergunta sobre a seleção diária das prisioneiras que deveriam ser mortas, resposta elementar, era uma questão de espaço, não cabiam todas e a ré ainda devolve sobre que ele teria feito, o silêncio do magistrado registra uma dura realidade, para muitos agentes dos campos de concentração, a eliminação dos seres humanos era uma questão de eficiência burocrática. Afinal, se alistar nas SS era apenas arranjar um emprego. Outra sutileza do roteiro que nos revela a todo momento as qualidades técnicas e empenho da personagem Hanna em tudo, no trabalho, no sexo, no lar, no cuidar do jovem amante, mas pasmem: é analfabeta. Detalhe que nos leva a torcer para ser sua janela escapatória à prisão, mas não, sua culpa permanece a mesma, e ela não a reconhece. Não reconhece nem a culpa, nem ser analfabeta, sua maior vergonha, o que exporia sua, na verdade, ineficiência. A todo momento vivemos através de Michael a aparente contradição entre o afeto pessoal e a repulsa à Hanna.
Uma aula, durante a maior parte do filme trabalha com tons frios (azul/verde) nos anos 90, onde Michael é um homem frio, em luta contra sua culpa, em contraposição aos tons quentes (vermelho/amarelo) da juventude ingênua dele. Durante o julgamento essa lógica desaparece, e o tom quente só volta na cena final, quando Michael enfrenta seu passado, revelando-o à filha. A primeira cena entre Hanna e Michael é impressionante, contrastada, rostos escuros. Belíssima a cena em que Michael vai buscar carvão. A todo momento, Menges/Deakins criam profundidade com tons avermelhados ao fundo, em janelas, cortinas, luzes. Câmera estabilizada, planos bem cuidados, belo trabalho com as teleobjetivas (a cena em que Hanna se despede de Michael, quando o deixa em casa, com a neve caindo e ele sobe a ladeira vale ser citada.)
Maravilhosa. Editores! Vamos aprender a montar um filme com cortes secos, sem uso de recursos como wipes, fusões ou fades. Só notei uma fusão no filme, e dentro de uma mesma cena, quando Michael está lendo livros sem parar para mandar as fitas à prisão. A passagem de tempo se dá pelafotografia e uma legenda para nos situar histórico/temporalmente.
Espetacular. A cena em que Michael está jantando com a família e se lembra de sua primeira experiência sexual a evidencia, mas durante todo o filme ela está lá nos marcando a sua dramaticidade, seja através da trilha sonora, ou da codificação de sons nas várias etapas temporais e psicológicas que o filme retrata. Vale observar a cena em Michael já maduro dirige, a cena começa com a câmera mostrando o carro de fora, e os sons da rua prevalecem sobre a música que Michael escuta dentro do carro, a qual aumenta quando a câmera pula pra dentro do mesmo.
Pra quem gosta de história
a cena em que um colega de Michael discute com o professor a validade do julgamento e sua vontade de matar os réus, além da sua confissão (ele representa naquele momento o povo alemão) de que todos sabiam o que acontecia nos campos de extermínio, vale referência. Por vezes ficamos com a sensação de que alguns nazistas escaparam ao castigo merecido, e realmente há os que escaparam, mas não havia, também, como pegar todo mundo. Como condenar todo um povo, explodir bombas atômicas na Alemanha ou no Japão? Mas não tenhamos dúvidas de que o povo alemão pagou caro pelo nazismo, seu castigo foi um murro de ferro com a invasão soviético-aliada. Os bombardeios, a fome, as prisões no pós-guerra, as mortes aos milhões, os mutilados, os que tiveram que fugir, trabalhar para reconstruir os países ocupados, limpar os campos de concentração e etc. Quando vemos as cenas do julgamento, estamos sempre querendo ouvir as confissões de culpa, mas o filme nos responde: Não importa o que os nazistas sentiam ou pensavam, mas sim o que eles fizeram. Rase, a sobrevivente nos trás à luz: os campos de concentração não eram lugares para aprendermos coisas, valores morais, lições de vida ou em como nos tornarmos humanos melhores, mas apenas e somente campos de morte.
Apesar de o nazismo ter encontrado sua expressão máxima na Alemanha, não podemos esquecer que os presets da intolerância, do autoritarismo e do ódio a outros seres humanos (se ninguém tiver nada contra, vou considerar os judeus ou qualquer grupo identificável como de seres humanos, ok?) estavam espalhado por quase todos os países do mundo, em especial os europeus e até mesmo a União Soviética e os EUA. A segunda guerra mundial e toda sua matança foi quase que uma conseqüência natural dentro daquele universo de ódio armazenado durante séculos. Lembro a perseguição aos judeus, ciganos, comunistas (mesmo nas repúblicas soviéticas, vide os expurgos stalinistas), socialistas, progressistas, homossexuais (o parágrafo 175, lei anti-homossexual e que só caiu, pasmem, em 1979 na Alemanha Oriental), pacifistas, pagãos (religiões não cristãs) e etc. Dentre as tropas nazistas, inclusive as SS, contavam cidadãos de vários países como holandeses, espanhóis, franceses, russos, romenos, e etc., até mesmo coreanos (o que diabos eles estavam fazendo lá?) Esta semente de ódio persistiu após a guerra e vem até hoje, devemos lembrar entre tantas monstruosidades das manifestações racistas nos estádios de futebol europeus, as guerras na Indochina, na Indonésia, o massacre de Ruanda, onde as etnias Tutsi e Hutus, em verdade nem existem, mas foram invenções dos colonizadores europeus. No Brasil hoje se fala da culpa da crise econômica mundial estar associada a brancos de olhos azuis, e que as vítimas são negros, índios e mestiços. Não vou nem falar do perigo de tal pensamento, apenas gostaria que alguém apontasse entre os grupos citados ou não, algum que seja algo diferente de um ser humano.
@cajuínas