Okuribito, excelente filme de Yojiro Takit. O filme trata de vários aspectos da vida e da cultura japonesa: a religiosidade com suas várias linhas religiosas, as relações familiares, a preponderância masculina dentro do casamento, as relações de amizade (observem que os amigos não se abraçam, pelo contrário mantém um distanciamento um tanto frio), a realidade financeira (ficamos sabendo o valor do yen pro japonês), o dia-a-dia, as estações do ano (marcado pela migração dos gansos e pelo florescimento das cerejeiras), a ocidentalização da cultura japonesa, a figura do Sensei, da vocação profissional, do preconceito, mas principalmente o filme trata da relação humana com a morte.
O ser humano é um animal que tem consciência da morte. Isso muda tudo em nossa relação com a vida, este conhecimento é combustível para toda uma forte produção filosófica, artística e cultural. Falar da morte é na verdade pensar a vida, pois esta questão só se dá pra quem tá vivo, óbvio.
"A Partida" tem o mérito de abordar a morte por um viés profundo, que é o da dor da perda de quem fica. Quando o filme trata desta dor, está falando do amor e do afeto. Amor é a outra ponta de forte produção filosófica, artística e cultural humana. Amor e morte são os dois grandes pilares de nossas reflexões, medos, dores, atitudes.
O respeito e a seriedade com que Daigo Kobayashi trata os corpos dos defuntos, é também, respeito para com seus familiares, para com suas dores.
A fotografia é tradicional, quente, com planos médios e câmera no tripé. Quando Daigo volta a tocar violoncelo, há um vislumbre de uma quase ousadia, com um plano em plongé, primeiros planos com profundidade de foco (quando um objeto é colocado mais próximo da lente da câmera, enquanto o ator está mais longe, através da diferença de foco percebemos a profundidade), e movimentação da câmera. Há uns dois incômodos zooms que eu me lembre, mas também há belas fotografias da paisagem japonesa.
Edição também tradicional com cenas de ambientação quando muda de ambiente, cenas de passagem de tempo, etc.
Roteiro, lembra um pouco as teorias do Syd Field. Tudo bem, afinal ele é um grande teórico do roteiro cinematográfico. O filme é construído em cima de uma narração (locução do personagem principal, um interferência de linguagem literária no cinema) e em cima de ganchos (cenas que se ligam com outras mais à frente).
O roteiro se confunde ao lançar como ação principal a relação de Daigo com seu pai e dura uns quinze minutos a mais pra concluir este assunto. Na verdade a ação principal é a relação de Daigo com sua verdadeira vocação que é a de prover um condicionamento de cadáveres respeitoso e confortável à família do defunto. Por isso ele enfrenta sua própria aversão pessoal, o preconceito social e familiar.
Sonorização: as músicas carregam um pouco na tinta, mas funciona e emociona. O filme utiliza os sons dos pássaros como ferramenta dramatúrgica de emoção, de passagem de tempo ou de posicionamento da cena. Boa sonorização descritiva do dia-a-dia do Japão.
As representações têm uma forte influência da dramaturgia tradicional japonesa: um tanto exageradas, caricatas, mas tudo bem, afinal nem todo mundo tem que seguir o manual americano de naturalismo. Vale referência o patrão de Daigo, Ikuei Sasaki.
Recomendo, como diria Sasaki: Delicioso, infelizmente. (é preciso ver o filme pra entender a tirada)
@cajuínas
Paulo Siqueira
O ser humano é um animal que tem consciência da morte. Isso muda tudo em nossa relação com a vida, este conhecimento é combustível para toda uma forte produção filosófica, artística e cultural. Falar da morte é na verdade pensar a vida, pois esta questão só se dá pra quem tá vivo, óbvio.
"A Partida" tem o mérito de abordar a morte por um viés profundo, que é o da dor da perda de quem fica. Quando o filme trata desta dor, está falando do amor e do afeto. Amor é a outra ponta de forte produção filosófica, artística e cultural humana. Amor e morte são os dois grandes pilares de nossas reflexões, medos, dores, atitudes.
O respeito e a seriedade com que Daigo Kobayashi trata os corpos dos defuntos, é também, respeito para com seus familiares, para com suas dores.
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A fotografia é tradicional, quente, com planos médios e câmera no tripé. Quando Daigo volta a tocar violoncelo, há um vislumbre de uma quase ousadia, com um plano em plongé, primeiros planos com profundidade de foco (quando um objeto é colocado mais próximo da lente da câmera, enquanto o ator está mais longe, através da diferença de foco percebemos a profundidade), e movimentação da câmera. Há uns dois incômodos zooms que eu me lembre, mas também há belas fotografias da paisagem japonesa.
Edição também tradicional com cenas de ambientação quando muda de ambiente, cenas de passagem de tempo, etc.
Roteiro, lembra um pouco as teorias do Syd Field. Tudo bem, afinal ele é um grande teórico do roteiro cinematográfico. O filme é construído em cima de uma narração (locução do personagem principal, um interferência de linguagem literária no cinema) e em cima de ganchos (cenas que se ligam com outras mais à frente).
O roteiro se confunde ao lançar como ação principal a relação de Daigo com seu pai e dura uns quinze minutos a mais pra concluir este assunto. Na verdade a ação principal é a relação de Daigo com sua verdadeira vocação que é a de prover um condicionamento de cadáveres respeitoso e confortável à família do defunto. Por isso ele enfrenta sua própria aversão pessoal, o preconceito social e familiar.
Sonorização: as músicas carregam um pouco na tinta, mas funciona e emociona. O filme utiliza os sons dos pássaros como ferramenta dramatúrgica de emoção, de passagem de tempo ou de posicionamento da cena. Boa sonorização descritiva do dia-a-dia do Japão.
As representações têm uma forte influência da dramaturgia tradicional japonesa: um tanto exageradas, caricatas, mas tudo bem, afinal nem todo mundo tem que seguir o manual americano de naturalismo. Vale referência o patrão de Daigo, Ikuei Sasaki.
Recomendo, como diria Sasaki: Delicioso, infelizmente. (é preciso ver o filme pra entender a tirada)
@cajuínas
Paulo Siqueira