O Contador de Histórias (Luiz Villaça) é um filme com vários méritos. Um belo filme com um elenco infantil muito bem aproveitado, uma direção de arte (Valdy Lopes JN) espetacular (como eles acharam tantos carros antigos?), os móveis, as paredes, os cortes de cabelo, as roupas, as cenas nas ruas, os ônibus, e é uma delícia a citação ao astro mirim dos anos 70-80, Gary Colleman, feita na cena do assalto. Impressionante as cenas externas, os figurantes impecáveis, até a favela em dois períodos diferentes, os carros passando (tá, vou ser chato, na cena em que se associa os pivetes a um time de futebol, a vitrine de uma loja tem em evidência as camisas do Flamengo e do Fluminense, e não dá pra ver as camisas do Atlético ou do Cruzeiro.)
A edição de som- Miriam Biderman, Ricardo Reis- (Graças a Deus, né gente? Porque desenho de som não dá, vai ser americanista assim na...) é um show a parte, tanto descritiva quanto crítica. Econômica no uso da trilha sonora (que aliás é linda, que diferença uma trilha executada por orquestra de verdade, né?) lhe dá assim mais peso. Na cena em que Roberto se tranca no banheiro, através do som de passarinhos ao fundo, antes mesmo da dica da fotografia, percebemos o amanhecer na cena, e assim segue por todo o filme.
Fotografia bela e inteligente (Lauro Escorel), afinada com as condições dramáticas do filme. De tonalidade geralmente fria, nos momentos de emoção ou de tragédia dos personagens, se apresenta quente (cena da violação do menino, por exemplo). Lindo take do cinzeiro na cena em paralelo entre a francesa Margherit e a assistente social enquanto Roberto, em casa, tem sua cena que leva ao clímax do personagem e do filme. (o momento do primeiro abraço entre os dois e a confissão de amor).
O roteiro trabalha dentro dos conceitos de ganchos dramáticos (no início Roberto cita sua felicidade em enrolar pipas na fiação da favela, e ao final, na cena em que Roberto reencontra a mãe, há pipas velhas e rasgadas presas à fiação.) Mas falha ao apresentar como grande antagonista (enquanto personagem pois dramaticamente é a incapacidade de reconhecer o amor) de Roberto, outro menino de rua, Cabelinho de Fogo, por mais que cite nos diálogos da assistente social ou na rápida edição sob narração os maus tratos e as condições sociais que levam um menino àquela situação, do ponto de vista da ação dramática, ou, o que vai realmente se fixar na emoção e memória do expectador, é Cabelinho de Fogo violentando Roberto e lutando contra ele pelo gravador. Então, do ponto de vista das etapas dramáticas que o arquétipo do personagem de Roberto tem que vencer para se tornar digno do amor e sair daquele drama da vida cotidiana brasileira, é naquela luta em que há o gancho dramático que levará ao clímax (o amor, já citado).
A direção teve o mérito de levar com maestria o projeto ao fim, com um belo elenco e com tantos craques nas diversas áreas do filme. Nos apresenta emoção, humor e crítica social, assim como a perspectiva histórico-cotidiana, ou da vida privada da época. A opção por um narrador, sempre perigosa, por se tratar de uma interferência da linguagem épica (literatura) e narrativa (tradição oral, contar histórias) deveria se dar, para evitar o ruído maior, em se gravar o ator com os textos decorados, pois o ator lendo é perfeitamente perceptível, além da gravação ter se dado em estúdio, e não em uma praça, onde naturalmente se apresenta o Roberto Carlos real, dando à narração um tom mais acentuado da tão criticada "voz de Deus".
O filme tem mais um mérito de trazer à discussão novamente, a questão dos menores abandonados, nessa época em que o meio ambiente nos toma as pautas jornalísticas (claro que é um assunto também fundamental). Mas os meninos e meninas de nossas ruas estão novamente mergulhando na invisibilidade (de onde nunca saíram). A classe média se exime, afirmando que essas mulheres miseráveis não deveriam ter tantos filhos, ou seja, estas crianças não deveriam nem nascer/existir. Mas elas existem e são seres humanos,expostos ao relento, à violência, criminalidade e outras barbaridades. Neste contexto terrível, quem oferece a essas crianças uma possibilidade de socialização é o crime organizado. Oferece um grupo, uma função neste grupo, respeito, dinheiro, hierarquia e mais, uma vida com prazeres e curta.
Quanto ao Roberto Carlos ser um entre os dez maiores contadores de histórias do mundo... Ele é maravilhoso, mas essa afirmação é muito polêmica, afinal, contar histórias, ou narrar, não é um valor matemático que se possa medir quem é melhor. Temos que levar em conta questões culturais (como o humor que muda de país pra país), históricas, sociais, identificação e etc.
O site está ótimo, vale conferir,o filme também.
@cajuínas
A edição de som- Miriam Biderman, Ricardo Reis- (Graças a Deus, né gente? Porque desenho de som não dá, vai ser americanista assim na...) é um show a parte, tanto descritiva quanto crítica. Econômica no uso da trilha sonora (que aliás é linda, que diferença uma trilha executada por orquestra de verdade, né?) lhe dá assim mais peso. Na cena em que Roberto se tranca no banheiro, através do som de passarinhos ao fundo, antes mesmo da dica da fotografia, percebemos o amanhecer na cena, e assim segue por todo o filme.
Fotografia bela e inteligente (Lauro Escorel), afinada com as condições dramáticas do filme. De tonalidade geralmente fria, nos momentos de emoção ou de tragédia dos personagens, se apresenta quente (cena da violação do menino, por exemplo). Lindo take do cinzeiro na cena em paralelo entre a francesa Margherit e a assistente social enquanto Roberto, em casa, tem sua cena que leva ao clímax do personagem e do filme. (o momento do primeiro abraço entre os dois e a confissão de amor).
O roteiro trabalha dentro dos conceitos de ganchos dramáticos (no início Roberto cita sua felicidade em enrolar pipas na fiação da favela, e ao final, na cena em que Roberto reencontra a mãe, há pipas velhas e rasgadas presas à fiação.) Mas falha ao apresentar como grande antagonista (enquanto personagem pois dramaticamente é a incapacidade de reconhecer o amor) de Roberto, outro menino de rua, Cabelinho de Fogo, por mais que cite nos diálogos da assistente social ou na rápida edição sob narração os maus tratos e as condições sociais que levam um menino àquela situação, do ponto de vista da ação dramática, ou, o que vai realmente se fixar na emoção e memória do expectador, é Cabelinho de Fogo violentando Roberto e lutando contra ele pelo gravador. Então, do ponto de vista das etapas dramáticas que o arquétipo do personagem de Roberto tem que vencer para se tornar digno do amor e sair daquele drama da vida cotidiana brasileira, é naquela luta em que há o gancho dramático que levará ao clímax (o amor, já citado).
A direção teve o mérito de levar com maestria o projeto ao fim, com um belo elenco e com tantos craques nas diversas áreas do filme. Nos apresenta emoção, humor e crítica social, assim como a perspectiva histórico-cotidiana, ou da vida privada da época. A opção por um narrador, sempre perigosa, por se tratar de uma interferência da linguagem épica (literatura) e narrativa (tradição oral, contar histórias) deveria se dar, para evitar o ruído maior, em se gravar o ator com os textos decorados, pois o ator lendo é perfeitamente perceptível, além da gravação ter se dado em estúdio, e não em uma praça, onde naturalmente se apresenta o Roberto Carlos real, dando à narração um tom mais acentuado da tão criticada "voz de Deus".
O filme tem mais um mérito de trazer à discussão novamente, a questão dos menores abandonados, nessa época em que o meio ambiente nos toma as pautas jornalísticas (claro que é um assunto também fundamental). Mas os meninos e meninas de nossas ruas estão novamente mergulhando na invisibilidade (de onde nunca saíram). A classe média se exime, afirmando que essas mulheres miseráveis não deveriam ter tantos filhos, ou seja, estas crianças não deveriam nem nascer/existir. Mas elas existem e são seres humanos,expostos ao relento, à violência, criminalidade e outras barbaridades. Neste contexto terrível, quem oferece a essas crianças uma possibilidade de socialização é o crime organizado. Oferece um grupo, uma função neste grupo, respeito, dinheiro, hierarquia e mais, uma vida com prazeres e curta.
Quanto ao Roberto Carlos ser um entre os dez maiores contadores de histórias do mundo... Ele é maravilhoso, mas essa afirmação é muito polêmica, afinal, contar histórias, ou narrar, não é um valor matemático que se possa medir quem é melhor. Temos que levar em conta questões culturais (como o humor que muda de país pra país), históricas, sociais, identificação e etc.
O site está ótimo, vale conferir,o filme também.
@cajuínas
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