quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Trecho de Cajuínas - Chico Bala

Chico bala sustentou tiroteio por mais de quatro dias contra a volante do cabo Malaquias. Corria
pelo mato e atirava, assobiava, mangava, ria e gritava:
Dá fogo macacada!
Aprumem a pontaria,
aqui quem tá é Chico Bala,
vem me buscar na mata, Malaquias!
Sangue do Pereiras, era questão com o governo havia Chico Bala. Só Deus, Padre Cícero, Sinhô
Pereira arrespeitava. Lampião, desse não gostava. Sua Pereira valentia era por causa justa,
Carvalho, governo, vergonha, maldade, alma cebosa ou covardia, não a covardia do medo, mas
do forte contra o fraco. Não dava o sangue por roubar o povo,
assustar pai de família,
desonrar moça,
maldade por alegria.
Quando Sinhô largou a guerra por determinação do Padre Cícero, deixou a Lampião o comando
do cangaço. Chico Bala foi-se embora, não quis servir ao Virgolino.
Calçou as alpergatas e as perneiras,
os bornais por cima da cartucheira,
121 tiros de fuzil,
mais a pistola Browning e a peixeira,
cruzou a cinta e pendurou a borracha,
as luvas, os anéis,
no pescoço o lenço de seda,
o chapéu quebrado,
os sinais de Salomão e as estrelas,
as medalhas, moedas de ouro,
a barbela e a testeira.
Em marcha Chico Bala
- a carabina 44 na bandoleira,
a arma predileta -
como a de Sinhô Pereira.
Gritou todo o povo,
correu a criançada,
lá vem Chico Bala,
Lá vem Chico Bala dos Pereiras.
Foge macacada,
hoje deita a madeira.
Pau é pau Pereira,
esconde a patente tenente,
some com a farda soldadesca,
soltem os presos, abram a porta da cadeia.
Lá vem Chico Bala.
Corre Carvalho,
vai ter barulho na feira.
Mataram na tocaia,
lavrador, parente de Chico.
Mataram na covardia,
foi jagunço do Zé Limeira,
o coronel rasgou a cerca,
tomou do bocado,
pro muito que tinha,
deixando na miséria,
a viúva e a família.
Chico Bala veio cobrar,
dar recado daquela judiaria.
Avisaram na delegacia,
mataram o coronel Zé Limeira,
tacaram fogo na moradia.
Foi Chico Bala dos Pereiras,
tá na cidade agora,
tomando cachaça na vendinha.
Foi um aborrecimento,
pois naquele forno de zinco quente,
curtia sua lombeira,
deitado em sua rede,
o cabo Malaquias.
Juntou a sua tropa, a mais velente do sertão, eram Círilo, Pescador, Vírgilio, Zacarias, Alberto,
Fura-Lata, Gato-branco, Isaias, Gugu, Pirambeira, Bale, Borogodó, Tiro-Certo, Moreno,
Varejeira, Nego Eusébio, aquele que no raiar do dia, algum dia, vai matar Besouro Preto com
faca de ticum, onde metal não fura mandinga de Nega Avó. Saiu a volante em diligência: povo
de bem vá pra casa, leve junto suas crianças, a volante do Cabo Malaquias chegou! Vai correr
sangue no sertão!
Canta a carabina de Chico Bala,
já se vai pelo quarto dia.
A refrega é danada,
a que se dizer,
da volante do cabo Malaquias:
sustentou fogo na mata,
mostrou sua valentia.
Mangava-lhes Chico Bala,
era noite ou de dia.
Mas por mais que lutasse Chico Bala,
quando ela quer, não tem como ir contra a polícia.
Acudiu em reforço ao Cabo Malaquias,
sargento, capitão, tenente, major,
coronel, tropa, metralhadora, artilharia.
Zombava da morte Chico Bala,
mas ela o acharia
pelo tiro certeiro de Nego Eusébio.
Lá se foi o cangaceiro,
o que não aceitava covardia.
Caiu atirando,
morreu como queria,
ao enegrecer os olhos,
sorriu de alegria,
preferia morrer à bala,
a envelhecer na monotonia.
Seu nome Chico Bala,
alguém dele lembraria,
cantariam os repentistas,
contariam os velhos nas praças,
ouviria com atenção a criançada,
seria brincadeira da meninada,
suspiro da mulherada,
mais de dez,
naquela noite choraria.
Em seu enterro até briga haveria, pra saber qual viúva, o seu cadáver carpiria. Lá se foi Chico
Bala pro além, talvez ao inferno desceria, mas como sempre foi homem de justiça, Há de Deus
Dar por isso, esse seu sofrimento guerreiro. Nunca matou quem não merecesse, ou em refrega
não estivesse. Nunca levantou a mão pra velho, fraco ou mulher. Sempre respeitou o pai de
família, o alheio, nunca roubou ou pediu resgate por filho de ninguém. Nunca desonrou mulher
nenhuma, nem nunca fez covardia. O povo nunca lhe teve medo, por contrário sempre o
escondia da polícia, que surrava a quem fosse alcoviteiro, suspeito, ou por cisma. Lutou pelo
sertanejo, pelos Pereiras e pela justiça. Mas morreu como morre todo aquele que vai contra o
governo, na república ou na monarquia. Todo o povo reza pra que se alumie o seu caminho pro
céu, que lá São Pedro lhe dê acolhida.
- Vá com Deus Chico Bala, leve nossa oração. - Sinhô Pereira e Luiz Padre deixaram correr
uma lágrima, beberam ao defunto. - Adeus velho amigo, braço guerreiro. Do céu nos alumine
agora que buscamos a paz, a qual nunca quiseste, pois não podia haver trégua enquanto no
mundo houvesse injustiça.
Mas aconteceu que São Pedro não abriu a porta de céu e disse a Chico Bala umas tolices.
Chico se arreminou, e o poeta Zé Da luz, que lá esperava paciente o que se cêsse, insistiu para
que ele, Chico Bala se arresolvêsse. Pois que Chico Bala esfumaçou as porteiras do paraíso
e São Pedro vendo isso,
correu a Padre Cícero.
Este ordenou e Chico obedeceu,
pois pedido do santo padre,
sempre, todo cangaceiro acolheu.
Desceu para o inferno
onde estavam todos os carvalhos que matou,
terra onde seus inimigos
o esperavam com ardor.
Pois o diabo deu que Chico Bala não entrasse armado.
Onde se viu entrar pelado em lugar cheio de Carvalho?
Puxou Chico Bala da peixeira,
furou o bucho do inferno,
Zé da Luz lhe deu valor,
por ali fugiu toda a capetada,
pela terra se espalhou.
Hoje, esse mundo de Deus
tem capirôto pra tudo quanto é lado.
Ele, apesar do que Prometeu,
à terra nunca mais Desceu,
e o diabo corre à galope, faz a festa,
assim aconteceu.
Chico Bala voltou pro céu com Zé da Luz,
mas como lá não pode entrar,
basta começar a trovejar,
pra se saber que Chico Bala
botou sua carabina pra gritar.
- Acuda São Pedro, acuda Padre Cícero,
guardem bem essa porteira,
quem queima fogo no céu,
é Chico Bala dos Pereiras.




@cajuínas

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