sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Dando notícia sobre O Mensageiro





O Mensageiro (The Messenger/Oren Moverman/2009) é um filme interessante, denso.


Sgt. Montgomery (Ben Foster) é um veterano da guerra ao Iraque, ferido em combate, traz em seu corpo e em seu mundo interior as marcas da guerra, do horror de perder amigos e gente querida. Ele é designado para uma unidade cuja missão é simples: dar a notícia da morte de soldados estadunidenses a seus familiares mais próximos. Para treina-lo e orienta-lo, está ao seu lado o Cpt. Stone (Woody Harrelson), texano, falador, expansivo, AA, solitário e seguidor de ordens. Aí reside a grande diferença entre os dois: o objetivo de Stone é seguir os procedimentos e cumprir a missão, já Montgomery se importa com as pessoas.

Até aí tudo bem, a velha linha, chefe/mestre durão que ensina ao pupilo. Mas neste filme ocorre o inverso, o velho oficial durão é quem deve aprender a ter empatia e caridade com os dramas alheios. Harrelson constrói um bom personagem, segue a linha que lhe é comum, o do texano falastrão. Foster consegue fazer com que seu personagem transite da antipatia profunda ao oficial superior, para um forte laço de amizade. Montogomery não é um cara bom de briga, ou que fica ostentando armas, pelo contrário, seu silêncio sempre traz uma ironia ante a impossibilidade de lutar contra sua realidade. Foster montou uma postura corporal interessante, assim como sua inflexão verbal. Seu olhar é sempre neutro, mostrando em alguns momentos estratégicos, irritação, raiva, angústia, dor, amor, amizade. Há , geralmente, doçura em seu olhar que periga cegar. Vale a pena, observar no trailer, o nervosismo e angústia que ambos imprimem aos personagens, enquanto esperam o familiar do morto abrir a porta.



O filme não traz nenhuma novidade, como vem ocorrendo com o cinema já há muito, pouco se  surpreende, e é sempre mais do mesmo, quase sempre, da mesma maneira. Há referências cinematográficas como Taxi Driver e O Franco Atirador.

Interessante a opção da direção no uso da fotografia do filme. Nas cenas onde os oficiais devem dar a notícia aos parentes dos mortos, a câmera sai do tripé, vai pro ombro, é apontada um pouco abaixo da linha de cabeça dos personagens, num leve contra-plongé, em contraste com a postura marcial e a retidão dos uniformes dos dois, e sua impessoalidade tanto na máscara facial, quanto na inflexão verbal. A sensação de náusea é imediata. Há em alguns momentos um bom uso de distâncias focais e profundidades de foco, realmente a ótica foi bem pensada. Vale uma nota a ironia que o diretor lança mão: nestes momentos de dor familiar, há bandeiras americanas ao fundo, e em outra cena, quando Stone caminha angustiado à noite e um cartaz com a imagem do Super-Homem nos remete a criticar a situação.



A edição dialoga muito bem com a malha sonora do filme. Na primeira vez em que vão dar a notícia, assim que entram na casa, o som de um avião rasga a cena, ao final, indo embora, vemos um caminhão de sorvetes com sua música infantil, há o choro da família e a voz de Stone reportando-se ao seu superior. A história sonora merece uma atenção especial de quem vai assistir.

Acima falei do objetivo do personagem de Stone, mas não do de Montgomery, reside aí minha crítica oposta ao filme. Das três unidades aristotélicas, tempo, espaço e ação, a última é a mais importante. Um  personagem que vive numa determinada situação dramática, tem um determinado objetivo, ao qual, para alcançá-lo, deve vencer o conflito de vontades do filme ou peça, ou etc.. Se vence temos um drama, se perde, uma tragédia. A partir da cena em que Montogomery vai ao casamento da ex-namorada, o filme se perde. Pois, a partir daí, seu personagem passa a viver seu conflito interno, inicia sua luta para vencê-lo. O pathos do personagem que era sua empatia pelo sofrimento alheio, muda para viver seu próprio sofrimento. Sua vontade que era ajudar aos familiares dos mortos de alguma maneira, passa a ser sua adaptação à vida pós-guerra. Muda a vontade, muda o objetivo, muda o conflito, perde-se a unidade de ação e temos, na verdade, duas histórias distintas e que não têm nada a ver uma com a outra. Mais, o marido da ex, que passa a ser seu antagonista, é um personagem ridículo. Ora, se enfraquecemos o antagonista, enfraquecemos o herói.

De qualquer forma, foi o melhor que assisti nestas férias.

@cajuínas

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